A evolução do conceito da soberania.
Trabalho Realizado por: Cláudio Graça Fernandes, nº23409; Anastasiya Myrna, nº22462 Daniela Cruz, nº 22206; subturma: 10, turma: B, 1ºano.
Antes de abordarmos um teor mais central no nosso tema, convém antes de mais explicitar um pouco a teoria que lhe está subjacente . Para tal proponho a seguinte análise: pensemos na soberania como o elo de ligação entre o Estado, isto é, o poder político; e a política, ou seja, a solução do problema do conflito entre poderes. Seguindo esta tese, defendida por Jean Bodin (1530-1596), <<É a soberania a única ligação e a única união que faz de famílias, corpos, colégios, particulares um único corpo perfeito, que é exactamente o Estado>>, não podemos deixar de pensar na evolução do conceito sem referir a própria evolução do Estado e da Politica.
No que diz respeito á época, estamos em meados do século
XVI, época em que o aparecimento de fronteiras territoriais diminutas fazem da
centralização do poder uma condição fulcral para a existência e sobrevivência
do próprio Estado, no qual se dá o advento da Reforma Protestante e a
Contra-Reforma católica, com o estabelecimento da Inquisição, em que Portugal e
Espanha continuam a ser os protagonistas na Europa devido aos “Descobrimentos”
e período no qual a maioria dos reinos europeus são absolutos, isto é, todo o
poder está concentrado numa única identidade, neste caso o rei.
De facto, foi um século de grande agitação em termos de
relações entre Estados, de grande prosperidade do Absolutismo que ganhou ainda
mais força com o advento dos Descobrimentos, não só em Portugal e Espanha, mas
também mais tarde, na França e no Reino Unido, pelo qual a teorização da política
ganha novos contornos, com a escrita do Príncipe,
por Maquiavel, em 1513, e mais tarde, em 1576, com a obra de Jean Bodin, Les six livres de la République, ou em
português, Os seis livros da República. Na
realidade, esta obra torna-se de tal forma importante para a teorização da
política, que para muitos, Jean Bodin é considerado o “pai” da Ciência
Política, exactamente por ser o primeiro autor a discutir a temática da
soberania, tema do nosso trabalho.
Na sua obra, Os seis
livros da República, Bodin refere que o poder
político centralizado evita a desagregação do Estado em pequenas unidades
territoriais e é o garante da unidade política estadual, “É a soberania o
verdadeiro fundamento, a charneira sobre a qual assenta toda a estrutura do
Estado, e da qual dependem os magistrados, as leis, os decretos; Por soberania
entende-se aquele poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado.”
Atendendo à ideia de soberania o poder político pode ser
apreciado:
- na esfera interna – como poder
supremo: na esfera interna não há poderes acima do poder político/há um plano
de subordinação de todos os poderes em relação ao poder político.
-
na esfera externa – como poder independente: na esfera externa o
Estado não recebe directrizes de outros Estados / há uma coordenação com
os restantes Estados.
Charles l’Oyseau (1564-1627) em 1610
identifica soberania e Estado na sua obra A Treatise on Orders and Simple
Dignities, em que debate o
exercício do poder na ordem pública. O direito público do começo do
século XX considera-a como una, indivisível, inalienável e imprescritível. Carl
Schmitt (1888- 1985) considera-a como a decisão em situação excepcional.
Assiste-se, assim, á identificação crucial do “político” com
o “estatal” e, juntamente, somos levados a pensar as relações de poder propriamente
políticas, quer dizer, estatais (na esfera interna),em termos já não
horizontais (isso diz respeito á sociedade) mas sim verticais. Esboça-se assim
uma imagem altimétrica do poder e, portanto, da política. Por isso, é possível
afirmar-se que a política, como solução do problema do conflito entre poderes,
consiste numa subtracção de força (legítima) aos centros, aos corpos e aos
indivíduos em nome de um único poder monopolista de legitimidade, isto é, do
poder absoluto do soberano.
Sem racionalidade, o universo político não é imaginável. Não
só chegamos á política por ruptura e descontinuidade em relação ao estado de natureza,
mas o persistir neste último e o permanecer dentro das relações que vigoram
numa condição não politica, apolítica ou pré-politica não levam senão á degradação
máxima, quer dizer, á morte. Thomas Hobbes é o defensor desta teoria, e é também
apelidado de “gémeo do medo”. Uma sociedade sem Estado é o drama histórico de
uma guerra civil. Sem Estado, a natureza é só um teatro de conflito e colisão.
Não há razão nenhuma para entrar no Estado político,
poder-se-ia dizer, senão aquela pela qual ele é objecto de escolhas de
indivíduos racionais. A simulação do contrato, (já que a formulação da teoria
do contrato social não pressupõe o estabelecimento de um contrato em sentido
material) na sua estrutura conceptual, é análoga da definição de uma “pedra de
toque” com o qual avaliar, corrigir, transformar ou mesmo sancionar a
legitimidade do estado político. Esta é a tese principal de John Locke na formulação
do seu Estado, em que afirma que o Estado nada mais é que um instrumento de
garantia e tutela em relação aos indivíduos possessivos, e de Jean-Jacques Rousseau, que
transfere a soberania do Estado para o povo. A soberania torna-se inalienável,
“os deputados do povo não são nem podem ser seus representantes; são apenas os
seus comissários”; indivisível, uma vez que Rousseau é hostil á separação de
poderes, aos corpos intermédios, às fracções no Estado; infalível, deve ser
exercida pela vontade geral que é “sempre recta e tende sempre para a utilidade
pública”; e absoluta “o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre
todos os seus”. Haverá alienação da liberdade pessoal ao corpo social, mas a
soberania do corpo social, em que cada um participa, fará com que cada um,
obedecendo-lhe, obedeça apenas a si próprio, percorrendo um dos caminhos do
liberalismo, a passagem de testemunho do poder do “prínceps” para a
colectividade, neste caso, para o povo.
John Locke (1632-1704) perfilou-se um dos principais
fundadores do liberalismo político, inovando e influenciando os pensamentos do
seu tempo, tendo como argumento a ideia de que todo o governo deveria ser
limitado no âmbito dos seus poderes, o que serviu de grande suporte á mais
importante movimentação política que eclodiu no séc. XVIII: a revolução
liberal.
Este entende que o
poder político deveria desdobrar-se em três faculdades essenciais com a divisão
entre os poderes legislativo, executivo e federativo, que, visam a salvaguarda
dos direitos individuais do cidadão, ideia base também seguida pelo pensamento
de Montesquieu (1689-1755) que na sua divisão troca o poder federativo de Locke
por poder judicial (que tal como hoje em dia, seria exercido pelos juízes) e
afirma a necessidade de independência de cada um dos poderes perante os
restantes encontrando-se os três lado-a-lado horizontalmente e servindo
mutuamente de contraposto.
Podemos entender que as ideias de separação de poderes
contradizem as ideias e características da definição original do conceito de
soberania de Jean Bodin, visto que este, tal como referido, a afirma como sendo
una e indivisível. Por sua vez, podemos encontrar uma mínima
recuperação desta caracterização nos finais do séc. XVIII e meados do séc. XIX
com Benjamin Constant com a sua interpretação do Estado liberal como Estado
minimalitário e a sua percepção de necessidade de regulação constitucional tal
como da necessidade de existência de um “poder neutro” (poder de interferir nos
outros poderes) atribuído ao único homem colocado por via do nascimento em
posição eminente: o Rei.
Em combate às ideias do Liberalismo que elevam a relevância
da classe Burguesa ao topo com a grande proteção da propriedade privada, começa
no séc. XIX uma evolução de ideias sociais simultaneamente na França e
Inglaterra com Saint-Simon, Joseph Fourier e Richard Owen que se opõem á
realidade pós-revolução industrial em que os trabalhadores e operários, mais
conhecidos por classe proletária, vivem em condições miseráveis e injustas com
uma forte tendência para sofrerem de exploração por parte dos proprietários
industriais da classe Burguesa. Assim, podemos desde já definir o Socialismo
como a «doutrina que defende a igualdade de condições e oportunidades pela
supressão da propriedade individual (até então considerado como o principal
direito do homem segundo os liberalistas) e pela socialização da economia.»
Já em fins do séc. XIX aparece finalmente o socialismo na
Alemanha que, é inicialmente (tal como o Francês e Inglês) utópico, visto os
seus pensadores quererem substituir o sistema económico existente por outro que
imaginaram, a estes, contrapõe-se mais tarde Karl Marx (1818-1883) que traz um
sistema mais estatista, centralizador e autoritário que se denomina de
Socialismo Científico devido ao seu método.
Marx é um notável crítico em estudos de filosofia e de
história com fortes influências de Immanuel Kant (1724-1804), mais tarde,
junta-se a Friedrich Engeles (1820-1895) e, ambos adeptos de Liga dos Justos (que
mais tarde se tornaria em Liga dos Comunistas) redigem o famoso texto d´O Manifesto do Partido Comunista, em que
apoiam a luta de classes e a supressão da propriedade privada com a abolição da
burguesia para uma sociedade sem classes, com a necessidade de surgimento de
uma ditadura do proletariado que se limita «ao período de luta pelo derrube da
antiga sociedade».
Aqui podemos então concluir que o objectivo do Socialismo
se baseia em atingir e conservar o poder e, sendo esta ideologia
intrinsecamente materialista, fundamenta-se a si mesma no Soberania Popular
sendo, tal como já reconhecemos, a soberania topo, acima de qual nenhum poder
se reconhece (ideia seguida no séc. XXI na Declaração
de Princípios e dos Estatutos do Partido Socialista Português). Podemos
assim concluir que a ideia de Soberania Popular, tal como o próprio nome
indica, é a ideia de supremacia do poder, tal como Bodin definiu, no sentido em
que esta representa um poder que não tem, nem pode admitir outro poder com quem
tenha de partilhar a autonomia do estado, apenas com a diferença de quem neste
caso estaria no poder era a classe baixa, o proletariado.
No mundo eslavo, mais propriamente na Rússia, em meados do
séc. XIX apareceram movimentos socialistas que pretendem a revolução proletária
contra o czarismo com o Partido Operário
Social Democrata russo fundado em 1898. Vladimir Ilitch Lenin (1870-1924)
ou mais conhecido por Lenine consegue dentro do partido pôr em minoria os
defensores do socialismo democrático, daí que, em 1903, o nome de minoritários
ou Mencheviques em russo, seja dado
aos partidários apoiantes de um Marxismo Evolucionista, enquanto os
maioritários, ou Bolcheviques
(conhecidos como o exército vermelho), consideram a forte necessidade de uma
revolução que tem que ser preparada e desencadeada e assim, seguem e divulgam
as ideias do Socialismo Científico Marxista, com o objectivo de derrubar o
absolutismo czarista e fazer triunfar o Comunismo.
Em 1917 com a Revolução
de Outubro os Bolcheviques alcançam o poder e instituem o Comunismo, Com
isto, a Rússia e mais tarde a União Soviética com Estaline (1922-1953) e
Trotsky (1879-1940) alcançam a tão desejada Soberania Popular.
Já no mundo ocidental, os totalitarismos tentam com que o conceito
de soberania regresse ao que os clássicos, mais concretamente Jean Bodin,
delinearam. Tanto o Fascismo como o nacional-socialismo condenam a luta de
classes, pois eles querem que as classes vivam em conjunto, em união, também
defendem que só uma nação unida e suficientemente forte poderá subsistir no caos Universal.
De referir que o fascismo e o
nacional-socialismo nasceram da miséria, da crise, do desemprego, com isto
dizer, que eles surgem para recuperar a dignidade perdida com a derrota da
primeira guerra mundial baseada no patriotismo. Por isso, Benedito Mussolini e Adolf
Hitler defendiam o primado do estado, ou seja, o estado é um todo, um bloco,
não toleravam a separação de poderes, nada existia no Estado além do próprio
Estado, como podemos verificar com a afirmação de Mussolini “Tudo no Estado,
nada fora do Estado” (pronunciada no scala de Milão em 1925).
Em suma, os modelos totalitários
tentaram com que a soberania rejuvenescesse, ou seja, com que esta fosse una,
indivisível, perpétua, …..
No caso Português não podemos falar
em Estado totalitário mas sim autoritário, no entanto, para o que nos interessa
é que segue a mesma linha de pensamento anteriormente referida, como podemos
ver com a expressão de António Oliveira Salazar “Tudo pela nação, nada contra a
nação”, ainda na base desta expressão podemos afirmar que António de Oliveira
Salazar defendia a concentração de poderes, aqui reporta-nos para a ideia de
unidade que nos é transmitida por Jean Bodin, que não existia nenhum poder
superior ao Estado, ou seja, este era independente segundo a disposição do
artigo 4º da Constituição de 1933.
Após a Segunda Guerra Mundial e em
consequência dela, os modelos totalitários caíram e também se desencadeou na
Europa um movimento de integração interestatal sem paralelo noutras épocas e
com fortes traços de originalidade no confronto com outras experiências, temos
os exemplos da Organização das Nações Unidas (ONU); União Europeia (UE); a
Organização do Tratado do Atlântico (NATO).
Com a participação nestas
organizações, os estados vêm a sua soberania ser reduzida, um exemplo disso são
as normas “ius cogens”, estas gozam de uma imperatividade própria e autónoma
que vincula todos os estados, independentes da sua vontade e até mesmo contra a
sua vontade, é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Temos
também outro exemplo, a saber, exemplo é a emissão da moeda, esta deixou de ser
feita em cada estado membro para ser realizada por uma entidade comunitária.
Agora caracterizando a soberania em
Portugal, este afirma ser, no sentido clássico do termo, um Estado que não
reconhece nenhum outro poder que lhe seja superior na ordem interna, nem na
ordem externa, segundo a disposição do Artigo 1º da CRP “ Portugal é um
República Soberana, ….”.A Constituição também a caracteriza nos termos do
artigo 3º, número 1 sendo “una e indivisível,…” residindo no povo.
A unidade e indivisibilidade da soberania do Estado não inviabilizam a
separação dos poderes no interior do próprio estado, tal como a
descentralização “político-administrativa não afecta a integridade da soberania
do Estado…. ”, Artigo 225º, número 3 da Constituição da República Portuguesa.
Referir ainda, que Portugal
enquanto estado soberano, tem sempre a faculdade de resgatar os poderes
transferidos ou postos em exercício comum com outros Estados. No limite, até a
permanência de Portugal na UE não é uma decisão irrevogável: o exercício de
Direito recesso de Portugal da UE, resgatando a soberania hipotecada, traduzirá
ainda uma forma legítima de exercício da sua soberania como Estado.
O professor Paulo Otero e o Professor Jorge Miranda sustentam que
“embora o conceito correspondente não possa ter compreensão idêntica à que
tinha a 400, 100, 50 anos, tem sobrevivido, embora com adaptações e reconversão”
(Prof. Jorge Miranda), sendo que “ a referência à soberania (actualmente)
relaciona-se, numa primeira dimensão, com a independência nacional” (Professor
Paulo Otero).
Terminamos com o conceito actual de soberania, que segundo o Prof. Jorge Miranda, é “ mais
que um dado jurídico fixo, uma vitória permanente a garantir” ; trata-se de “
defender e alargar a esfera de autodeterminação nacional, a capacidade de
decisão autónoma quanto aos destinos da colectividade nacional.” “ É o termo
que designa o poder político no estado moderno de tipo europeu ou a especifica
situação do Estado dotado da plenitude da capacidade do direito em relação aos
demais estados. Soberania significa então na ordem interna, supremacia e
pretensão a poder ilimitado. Na ordem externa significa independência de
qualquer outra autoridade da mesma natureza.”
Bibliografia
Ø EINAUDI, Enciclopedia – Política, volume 22, 1996
Ø MIRANDA, Jorge – Manual de Direito constitucional, Tomo I, Coimbra Editora, 2009
Ø MIRANDA, Jorge – Manual de Direito constitucional, Tomo III, Coimbra Editora, 2004
Ø MONCADA, L. Cabral de – Filosofia do Direito e do Estado, volume I, Coimbra Editora, 2006.
Ø OTERO, Paulo – Direito Constitucional Português, volume II, Almedina, Coimbra, 2010
Ø POLIS, Enciclopédia – Soberania de Jorge Miranda, Verbo, 1986
Ø PRELÓT, Marcel – História das Ideias Políticas, volume II, Editorial Presença, 1997
Ø ROUSSEAU, Jean-Jacques – O Contrato Social, Europa-América, 1999
Ø TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume II, Europa-América, 2003
Ø TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume III, Europa-América, 2009
Ø TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume IV, Europa-América, 2010
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