domingo, 21 de abril de 2013

A evolução do conceito da soberania





 

A evolução do conceito da soberania.

 

Trabalho Realizado por: Cláudio Graça Fernandes, nº23409; Anastasiya Myrna, nº22462 Daniela Cruz, nº 22206; subturma: 10, turma: B, 1ºano.


Antes de abordarmos um teor mais central no nosso tema, convém antes de mais explicitar um pouco a teoria que lhe está subjacente . Para tal proponho a seguinte análise: pensemos na soberania como o elo de ligação entre o Estado, isto é, o poder político; e a política, ou seja, a solução do problema do conflito entre poderes. Seguindo esta tese, defendida por Jean Bodin (1530-1596), <<É a soberania a única ligação e a única união que faz de famílias, corpos, colégios, particulares um único corpo perfeito, que é exactamente o Estado>>, não podemos deixar de pensar na evolução do conceito sem referir a própria evolução do Estado e da Politica.

No que diz respeito á época, estamos em meados do século XVI, época em que o aparecimento de fronteiras territoriais diminutas fazem da centralização do poder uma condição fulcral para a existência e sobrevivência do próprio Estado, no qual se dá o advento da Reforma Protestante e a Contra-Reforma católica, com o estabelecimento da Inquisição, em que Portugal e Espanha continuam a ser os protagonistas na Europa devido aos “Descobrimentos” e período no qual a maioria dos reinos europeus são absolutos, isto é, todo o poder está concentrado numa única identidade, neste caso o rei.

De facto, foi um século de grande agitação em termos de relações entre Estados, de grande prosperidade do Absolutismo que ganhou ainda mais força com o advento dos Descobrimentos, não só em Portugal e Espanha, mas também mais tarde, na França e no Reino Unido, pelo qual a teorização da política ganha novos contornos, com a escrita do Príncipe, por Maquiavel, em 1513, e mais tarde, em 1576, com a obra de Jean Bodin, Les six livres de la République, ou em português, Os seis livros da República. Na realidade, esta obra torna-se de tal forma importante para a teorização da política, que para muitos, Jean Bodin é considerado o “pai” da Ciência Política, exactamente por ser o primeiro autor a discutir a temática da soberania, tema do nosso trabalho.

Na sua obra, Os seis livros da República, Bodin refere que o poder político centralizado evita a desagregação do Estado em pequenas unidades territoriais e é o garante da unidade política estadual, “É a soberania o verdadeiro fundamento, a charneira sobre a qual assenta toda a estrutura do Estado, e da qual dependem os magistrados, as leis, os decretos; Por soberania entende-se aquele poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado.”

Atendendo à ideia de soberania o poder político pode ser apreciado:

- na esfera interna – como poder supremo: na esfera interna não há poderes acima do poder político/há um plano de subordinação de todos os poderes em relação ao poder político.

- na esfera externa   como poder independente: na esfera externa o Estado não recebe directrizes de outros Estados / há uma coordenação com os restantes Estados.

         Charles l’Oyseau (1564-1627) em 1610 identifica soberania e Estado na sua obra A Treatise on Orders and Simple Dignities, em que debate o exercício do poder na ordem pública. O direito público do começo do século XX considera-a como una, indivisível, inalienável e imprescritível. Carl Schmitt (1888- 1985) considera-a como a decisão em situação excepcional.

Assiste-se, assim, á identificação crucial do “político” com o “estatal” e, juntamente, somos levados a pensar as relações de poder propriamente políticas, quer dizer, estatais (na esfera interna),em termos já não horizontais (isso diz respeito á sociedade) mas sim verticais. Esboça-se assim uma imagem altimétrica do poder e, portanto, da política. Por isso, é possível afirmar-se que a política, como solução do problema do conflito entre poderes, consiste numa subtracção de força (legítima) aos centros, aos corpos e aos indivíduos em nome de um único poder monopolista de legitimidade, isto é, do poder absoluto do soberano.

Sem racionalidade, o universo político não é imaginável. Não só chegamos á política por ruptura e descontinuidade em relação ao estado de natureza, mas o persistir neste último e o permanecer dentro das relações que vigoram numa condição não politica, apolítica ou pré-politica não levam senão á degradação máxima, quer dizer, á morte. Thomas Hobbes é o defensor desta teoria, e é também apelidado de “gémeo do medo”. Uma sociedade sem Estado é o drama histórico de uma guerra civil. Sem Estado, a natureza é só um teatro de conflito e colisão.

Não há razão nenhuma para entrar no Estado político, poder-se-ia dizer, senão aquela pela qual ele é objecto de escolhas de indivíduos racionais. A simulação do contrato, (já que a formulação da teoria do contrato social não pressupõe o estabelecimento de um contrato em sentido material) na sua estrutura conceptual, é análoga da definição de uma “pedra de toque” com o qual avaliar, corrigir, transformar ou mesmo sancionar a legitimidade do estado político. Esta é a tese principal de John Locke na formulação do seu Estado, em que afirma que o Estado nada mais é que um instrumento de garantia e tutela em relação aos indivíduos possessivos, e de Jean-Jacques Rousseau, que transfere a soberania do Estado para o povo. A soberania torna-se inalienável, “os deputados do povo não são nem podem ser seus representantes; são apenas os seus comissários”; indivisível, uma vez que Rousseau é hostil á separação de poderes, aos corpos intermédios, às fracções no Estado; infalível, deve ser exercida pela vontade geral que é “sempre recta e tende sempre para a utilidade pública”; e absoluta “o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus”. Haverá alienação da liberdade pessoal ao corpo social, mas a soberania do corpo social, em que cada um participa, fará com que cada um, obedecendo-lhe, obedeça apenas a si próprio, percorrendo um dos caminhos do liberalismo, a passagem de testemunho do poder do “prínceps” para a colectividade, neste caso, para o povo.


John Locke (1632-1704) perfilou-se um dos principais fundadores do liberalismo político, inovando e influenciando os pensamentos do seu tempo, tendo como argumento a ideia de que todo o governo deveria ser limitado no âmbito dos seus poderes, o que serviu de grande suporte á mais importante movimentação política que eclodiu no séc. XVIII: a revolução liberal.

 Este entende que o poder político deveria desdobrar-se em três faculdades essenciais com a divisão entre os poderes legislativo, executivo e federativo, que, visam a salvaguarda dos direitos individuais do cidadão, ideia base também seguida pelo pensamento de Montesquieu (1689-1755) que na sua divisão troca o poder federativo de Locke por poder judicial (que tal como hoje em dia, seria exercido pelos juízes) e afirma a necessidade de independência de cada um dos poderes perante os restantes encontrando-se os três lado-a-lado horizontalmente e servindo mutuamente de contraposto.

Podemos entender que as ideias de separação de poderes contradizem as ideias e características da definição original do conceito de soberania de Jean Bodin, visto que este, tal como referido, a afirma como sendo una e indivisível. Por sua vez, podemos encontrar uma mínima recuperação desta caracterização nos finais do séc. XVIII e meados do séc. XIX com Benjamin Constant com a sua interpretação do Estado liberal como Estado minimalitário e a sua percepção de necessidade de regulação constitucional tal como da necessidade de existência de um “poder neutro” (poder de interferir nos outros poderes) atribuído ao único homem colocado por via do nascimento em posição eminente: o Rei.

Em combate às ideias do Liberalismo que elevam a relevância da classe Burguesa ao topo com a grande proteção da propriedade privada, começa no séc. XIX uma evolução de ideias sociais simultaneamente na França e Inglaterra com Saint-Simon, Joseph Fourier e Richard Owen que se opõem á realidade pós-revolução industrial em que os trabalhadores e operários, mais conhecidos por classe proletária, vivem em condições miseráveis e injustas com uma forte tendência para sofrerem de exploração por parte dos proprietários industriais da classe Burguesa. Assim, podemos desde já definir o Socialismo como a «doutrina que defende a igualdade de condições e oportunidades pela supressão da propriedade individual (até então considerado como o principal direito do homem segundo os liberalistas) e pela socialização da economia.»

Já em fins do séc. XIX aparece finalmente o socialismo na Alemanha que, é inicialmente (tal como o Francês e Inglês) utópico, visto os seus pensadores quererem substituir o sistema económico existente por outro que imaginaram, a estes, contrapõe-se mais tarde Karl Marx (1818-1883) que traz um sistema mais estatista, centralizador e autoritário que se denomina de Socialismo Científico devido ao seu método.

Marx é um notável crítico em estudos de filosofia e de história com fortes influências de Immanuel Kant (1724-1804), mais tarde, junta-se a Friedrich Engeles (1820-1895) e, ambos adeptos de Liga dos Justos (que mais tarde se tornaria em Liga dos Comunistas) redigem o famoso texto d´O Manifesto do Partido Comunista, em que apoiam a luta de classes e a supressão da propriedade privada com a abolição da burguesia para uma sociedade sem classes, com a necessidade de surgimento de uma ditadura do proletariado que se limita «ao período de luta pelo derrube da antiga sociedade».

Aqui podemos então concluir que o objectivo do Socialismo se baseia em atingir e conservar o poder e, sendo esta ideologia intrinsecamente materialista, fundamenta-se a si mesma no Soberania Popular sendo, tal como já reconhecemos, a soberania topo, acima de qual nenhum poder se reconhece (ideia seguida no séc. XXI na Declaração de Princípios e dos Estatutos do Partido Socialista Português). Podemos assim concluir que a ideia de Soberania Popular, tal como o próprio nome indica, é a ideia de supremacia do poder, tal como Bodin definiu, no sentido em que esta representa um poder que não tem, nem pode admitir outro poder com quem tenha de partilhar a autonomia do estado, apenas com a diferença de quem neste caso estaria no poder era a classe baixa, o proletariado.

No mundo eslavo, mais propriamente na Rússia, em meados do séc. XIX apareceram movimentos socialistas que pretendem a revolução proletária contra o czarismo com o Partido Operário Social Democrata russo fundado em 1898. Vladimir Ilitch Lenin (1870-1924) ou mais conhecido por Lenine consegue dentro do partido pôr em minoria os defensores do socialismo democrático, daí que, em 1903, o nome de minoritários ou Mencheviques em russo, seja dado aos partidários apoiantes de um Marxismo Evolucionista, enquanto os maioritários, ou Bolcheviques (conhecidos como o exército vermelho), consideram a forte necessidade de uma revolução que tem que ser preparada e desencadeada e assim, seguem e divulgam as ideias do Socialismo Científico Marxista, com o objectivo de derrubar o absolutismo czarista e fazer triunfar o Comunismo.

Em 1917 com a Revolução de Outubro os Bolcheviques alcançam o poder e instituem o Comunismo, Com isto, a Rússia e mais tarde a União Soviética com Estaline (1922-1953) e Trotsky (1879-1940) alcançam a tão desejada Soberania Popular.

        Já no mundo ocidental, os totalitarismos tentam com que o conceito de soberania regresse ao que os clássicos, mais concretamente Jean Bodin, delinearam. Tanto o Fascismo como o nacional-socialismo condenam a luta de classes, pois eles querem que as classes vivam em conjunto, em união, também defendem que só uma nação unida e suficientemente forte poderá subsistir no caos Universal.

            De referir que o fascismo e o nacional-socialismo nasceram da miséria, da crise, do desemprego, com isto dizer, que eles surgem para recuperar a dignidade perdida com a derrota da primeira guerra mundial baseada no patriotismo. Por isso, Benedito Mussolini e Adolf Hitler defendiam o primado do estado, ou seja, o estado é um todo, um bloco, não toleravam a separação de poderes, nada existia no Estado além do próprio Estado, como podemos verificar com a afirmação de Mussolini “Tudo no Estado, nada fora do Estado” (pronunciada no scala de Milão em 1925).

            Em suma, os modelos totalitários tentaram com que a soberania rejuvenescesse, ou seja, com que esta fosse una, indivisível, perpétua, …..

            No caso Português não podemos falar em Estado totalitário mas sim autoritário, no entanto, para o que nos interessa é que segue a mesma linha de pensamento anteriormente referida, como podemos ver com a expressão de António Oliveira Salazar “Tudo pela nação, nada contra a nação”, ainda na base desta expressão podemos afirmar que António de Oliveira Salazar defendia a concentração de poderes, aqui reporta-nos para a ideia de unidade que nos é transmitida por Jean Bodin, que não existia nenhum poder superior ao Estado, ou seja, este era independente segundo a disposição do artigo 4º da Constituição de 1933.

            Após a Segunda Guerra Mundial e em consequência dela, os modelos totalitários caíram e também se desencadeou na Europa um movimento de integração interestatal sem paralelo noutras épocas e com fortes traços de originalidade no confronto com outras experiências, temos os exemplos da Organização das Nações Unidas (ONU); União Europeia (UE); a Organização do Tratado do Atlântico (NATO).

            Com a participação nestas organizações, os estados vêm a sua soberania ser reduzida, um exemplo disso são as normas “ius cogens”, estas gozam de uma imperatividade própria e autónoma que vincula todos os estados, independentes da sua vontade e até mesmo contra a sua vontade, é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Temos também outro exemplo, a saber, exemplo é a emissão da moeda, esta deixou de ser feita em cada estado membro para ser realizada por uma entidade comunitária.

            Agora caracterizando a soberania em Portugal, este afirma ser, no sentido clássico do termo, um Estado que não reconhece nenhum outro poder que lhe seja superior na ordem interna, nem na ordem externa, segundo a disposição do Artigo 1º da CRP “ Portugal é um República Soberana, ….”.A Constituição também a caracteriza nos termos do artigo 3º, número 1 sendo “una e indivisível,…” residindo no povo.

A unidade e indivisibilidade da soberania do Estado não inviabilizam a separação dos poderes no interior do próprio estado, tal como a descentralização “político-administrativa não afecta a integridade da soberania do Estado…. ”, Artigo 225º, número 3 da Constituição da República Portuguesa.

 Referir ainda, que Portugal enquanto estado soberano, tem sempre a faculdade de resgatar os poderes transferidos ou postos em exercício comum com outros Estados. No limite, até a permanência de Portugal na UE não é uma decisão irrevogável: o exercício de Direito recesso de Portugal da UE, resgatando a soberania hipotecada, traduzirá ainda uma forma legítima de exercício da sua soberania como Estado.

O professor Paulo Otero e o Professor Jorge Miranda sustentam que “embora o conceito correspondente não possa ter compreensão idêntica à que tinha a 400, 100, 50 anos, tem sobrevivido, embora com adaptações e reconversão” (Prof. Jorge Miranda), sendo que “ a referência à soberania (actualmente) relaciona-se, numa primeira dimensão, com a independência nacional” (Professor Paulo Otero).

Terminamos com o conceito actual de soberania,  que segundo o Prof. Jorge Miranda, é “ mais que um dado jurídico fixo, uma vitória permanente a garantir” ; trata-se de “ defender e alargar a esfera de autodeterminação nacional, a capacidade de decisão autónoma quanto aos destinos da colectividade nacional.” “ É o termo que designa o poder político no estado moderno de tipo europeu ou a especifica situação do Estado dotado da plenitude da capacidade do direito em relação aos demais estados. Soberania significa então na ordem interna, supremacia e pretensão a poder ilimitado. Na ordem externa significa independência de qualquer outra autoridade da mesma natureza.”





Bibliografia





Ø  EINAUDI, Enciclopedia – Política, volume 22, 1996


Ø  MIRANDA, Jorge – Manual de Direito constitucional, Tomo I, Coimbra Editora, 2009


Ø  MIRANDA, Jorge – Manual de Direito constitucional, Tomo III, Coimbra Editora, 2004 

Ø  MONCADA, L. Cabral de Filosofia do Direito e do Estado, volume I, Coimbra Editora, 2006.


Ø  OTERO, Paulo – Direito Constitucional Português, volume II, Almedina, Coimbra, 2010


Ø  POLIS, Enciclopédia – Soberania de Jorge Miranda, Verbo, 1986


Ø  PRELÓT, Marcel – História das Ideias Políticas, volume II, Editorial Presença, 1997



Ø  ROUSSEAU, Jean-Jacques – O Contrato Social, Europa-América, 1999


Ø  TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume II, Europa-América, 2003


Ø  TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume III, Europa-América, 2009


Ø  TOUCHARD, Jean – História das Ideias Políticas, volume IV, Europa-América, 2010







Sem comentários:

Enviar um comentário